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Alguns moradores do São Bento já estão com placas anunciando a venda das casas. Foto: Raynere Ferreira
Quando regularizadas, as áreas invadidas tornam-se moedas de troca. São vendidas ou permutadas por outros imóveis. Existem especialistas no ramo, pessoas que só vivem de criar invasões e lucrar com isso depois.
Até a suposta vítima da invasão muitas vezes é quem está por trás dela. Por causa de uma invasão, a área ocupada irregularmente é supervalorizada no momento da desapropriação. Com isso, existem proprietários de terra que chegam a fomentar a ocupação em sua propriedade.
Um exemplo de uma invasão que deu certo e gerou lucro foi a do bairro São Bento. A área foi regularizada em 2007 pelo governo do estado. Lá o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) financia a construção de 1.277 casas populares, com investimento de R$ 40 milhões e uma pequena contrapartida do estado.
O projeto prevê, além da construção das casas populares, o abastecimento de água tratada, eletrificação, urbanização e 100% de cobertura de esgoto sanitário e pluvial.
Mas há quem aproveite o benefício, que veio de bandeja dos cofres públicos, para ganhar dinheiro. À época da invasão, em 2006, quando havia a promessa de regularização, os lotes já eram irregularmente comercializados a preços que variavam entre R$ 1 mil e R$ 1,5 mil.
As casas de alvenaria foram construídas em modelo padrão e possuem dois quartos, um banheiro, uma sala e uma cozinha cada. Com toda a infraestrutura urbana sendo implementada, o preço do imóvel valorizou e hoje é vendido ilegalmente entre R$ 15 mil e 20 mil. Por se tratar de um benefício social a venda é proibida.
A equipe de reportagem da Folha esteve ontem no bairro e localizou quatro casas com placas de “vende-se”. Duas delas estão situadas em uma das avenidas principais, a Andorinha. Uma das casas custa R$ 25 mil, segundo a proprietária.
O preço, acima do mercado, segundo a mulher, é justificável. A casa foi rebocada, pintada, recebeu um tanque de lavar roupas e ganhou portas e grades de ferro. Ela já havia adquirido o imóvel de outra pessoa e agora precisa vendê-lo por questões financeiras. A mulher afirma que tem toda a documentação e que não há restrições para a comercialização.
A outra casa nessa mesma rua está à venda por R$ 35 mil. De acordo com o proprietário, ela tem oito cômodos e foi construída por ele, e não pelo poder público. O terreno é que é oriundo da invasão. Ele comprou do invasor e construiu o imóvel para vendê-lo depois.
A propriedade, conforme o homem, só tem o documento de ocupação, ou seja, não possui registro no cartório de imóveis. “Mas é até melhor assim, porque não tem toda a burocracia”, disse.
A Folha localizou uma pessoa que comprou uma casa no São Bento pelo valor de R$ 20 mil. Mesmo sendo proibida a venda, disse que a comercialização é comum no bairro e que não tem receio de que o imóvel possa ser tomado depois.
A invasão de uma área particular às margens do trecho norte da BR-174, na saída para Pacaraima, é o exemplo de que a indústria da invasão está estruturada. A área foi invadida em outubro passado. Nesta semana, a Justiça Estadual determinou, em caráter liminar, a reintegração de posse. Os ocupantes têm 15 dias para deixar o local.
Mas a maneira como a invasão foi orquestrada é que chama a atenção. A Folha teve acesso a documentos e depoimentos de pessoas que estão no local. A invasão já recebeu até o nome de “Monte das Oliveiras II”, que foi inclusive registrado em cartório pelos líderes.
A invasão seria uma extensão de outra próxima dali, conhecida como Monte das Oliveiras, que, por uma decisão do governo do estado, foi desapropriada e transformada em Área de Interesse Social.
A ocupação tem 370 pessoas cadastradas, sendo que muitas delas são integrantes da mesma família. A área já foi até loteada e distribuída. Inicialmente, cada lote media 15x30m, mas com o surgimento de mais pessoas, foi para 12x30m e agora tem 10x20m cada.
Todos os atos do grupo são registrados em um livro, ao qual a equipe de reportagem teve acesso. Mensalmente são pagas várias taxas para manutenção do negócio, como serviços advocatícios e despesas com documentos que estão sendo reunidos para obter a legalização da área. Os invasores possuem até modelo de documento para atestar pobreza.
As taxas pagas pelos invasores estão anotadas como “despesas de documentação”, que é uma espécie de contribuição mensal. O valor mínimo é de R$ 5,00. Já o pagamento para custear as despesas com o advogado é de R$ 50,00. O advogado do grupo cobrou R$ 15 mil em honorários.
Até para atestar a situação de penúria, mas que não foi aceita pela Justiça, os invasores teriam sido orientados pelos líderes a só construírem barracos de madeiras e lonas velhas. Com a recente decisão que reintegrou a posse ao empresário Dori Coelho, eles estariam planejando construir pequenas moradias de tijolos para depois requererem pagamento de benfeitorias feitas na ocupação.
A situação de pobreza chega a ser questionável. Em um levantamento de bens feito no nome de três integrantes da invasão, foi atestado que eles possuem bens móveis e imóveis. Todos eles têm veículos registrados em seus nomes.
Assim como foi no São Bento, lotes do “Monte das Oliveiras II” já estão sendo comercializados. O preço varia entre R$ 500,00 e R$ 1.200,00.
A Folha tentou falar com os líderes da invasão “Monte das Oliveiras II” e com o advogado do grupo, mas nenhum deles atendeu as ligações efetuadas
Nove invasões já foram registradas em 2010
Só este ano foram registradas nove invasões no estado, sendo oito em Boa Vista e uma em Caroebe. Anteontem a Folha registrou o momento em que o Batalhão do Meio Ambiente da Polícia Militar, a Guarda Municipal e técnicos da Secretaria Municipal de Meio Ambiente retiravam os invasores de uma Área de Preservação Ambiental no Jóquei Clube. Como agiram rápido, conseguiram frustrar duas invasões simultâneas no bairro.
Na avaliação do empresário Dori Magalhães, que teve sua propriedade invadida na BR-174, os governos são os responsáveis pelas constantes invasões. “É só haver a invasão que eles [gestores públicos] entram depois com a infraestrutura”, disse.
Ele lembrou inúmeras invasões em que foi vítima ao longo dos anos – todas ele conseguiu reaver na Justiça -, e principalmente áreas que destinou de seus empreendimentos ao poder público, mas que não foram aproveitadas, tornando-se objetos de invasão.
Há alguns anos, segundo ele, a Prefeitura de Boa Vista fez um levantamento e verificou que 112 áreas institucionais tinham sido invadidas. Ao invés de se buscar instrumentos que reouvessem a posse, segundo ele, o Executivo optou por publicar uma lei regularizando as propriedades.
Na semana, a Justiça concedeu reintegração de posse ao governo do estado de uma área invadida no bairro São Bento. A invasão já somava 306 barracos. Algumas pessoas resistiram à retirada e foram detidas pela Polícia Militar. Os invasores alegavam que havia uma campanha de que a área seria regularizada. O governo nega qualquer acordo.
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